“A poesia é um segredo
Feito de êxtase e medo
Que não confio a ninguém
– Nem a mim mesmo.” (O segredo)
O pequeno poema acima dá bem a dimensão da poesia de Lêdo Ivo: profunda. Fruto de um arraigado gosto com sabor da concisão na palavra bem posta. Ao ler em voz alta, podemos notar um silêncio entreposto entre as sílabas, a ironia que paira sem afetar, sem ofender… Eu, sou suspeito para falar, ouço até a cínica e bela gargalhada de Lêdo entres os versos. E quem o viu soltá-la, ao menos uma vez, sabe o quanto valorizava este menor e não menos importante rito do prazer de cultivar alegria.
Lêdo Ivo (1924 – 2012) foi poeta, contista, articulista, cronista, crítico, romancista, inolvidável memorialista das últimas oito décadas da literatura brasileira, e exerceria mais uma infinidade de atividades ligadas às letras, se quisesse exercê-las. Nada passou incólume por seu olhar arguto, irônico e principalmente: justo. Nascido em Maceió – Al, partiu para “fazer o Rio” expressão cunhada àqueles que partiam à Cidade Maravilhosa para fazer os estudos e se lançarem na carreira literária. Formado em Direito nunca exerceu ofício, dada a inclinação às letras.
Dentre seus tantos exercícios acadêmicos foi como articulista que – graças ao excelente artigo escrito sobre Angústia de Graciliano Ramos, tive a dimensão da obra deste – pude vir a conhecer a lucidez crítica do autor, além de dar boas gargalhadas com os causos do Velho Graça. Ivo mostrou a validade menosprezada deste que é o único romance urbano do amigo, tido pela crítica como a trama do “ciúme e do fastio”. O que está bem distante da verdade, segundo mostrou.
Numa tarde quente deste verão, sentei a reler Mar Oceano, seu livro de poemas lançado nos anos 80. Não para resenhar, mas para sentir o que sempre sinto quando releio o que gosto: sentir sabores não sentidos antes. E senti. Sua poética, nesta obra, explora a memória. Maceió de sua infância e juventude (“A Morte de Elpenor” oferece um vulto de sua andança alagoana), os primeiros passos à poesia, as primeiras mulheres, a vontade de abraçar o mundo e já demonstrando a precoce noção da sabedoria de quanto o homem é pequeno ante a imensa aura do mistério. Fala da saída de quem se lança pelo Mundo sonhando mundos.
Uma vez o amigo e também poeta, João Cabral de Melo Neto fez um epitáfio àquele que deveria ser o“Rimbaud brasileiro”, com riso Ivo declinou: “prefiro ser o Victor Hugo de Alagoas e morrer depois dos 80 anos a ser o Rimbaud brasileiro… para mim a vida está acima da arte, para viver mais eu faço qualquer negócio…”, até mesmo desprezar a arte que te fez eterno com sarcasmo e despudor. Dizia que a imortalidade na Academia só era crida por candidatos à cátedra, a respeito de seu desdém à “eternidade” ele diz em “O Incômodo”, com sua ironia peculiar:
“(…) Sabemos confusamente que Deus é aquele que não nasceu nem morrerá nunca. Jamais poderemos identificá-lo. Sendo eterno, e por isso diferente de nós, Ele está fora de nossa capacidade de discernir entre o falso e o verdadeiro.
Seria uma hipocrisia escondermos de nós mesmos a evidência de que a eternidade de Deus nos incomoda e nos faz morrer de inveja.
Fechei o livro. Gostei tanto do que li, que me aventurei no campo pantanoso do verso, leiam minha humilde homenagem a Lêdo:
À Procura de Lêdo Ivo
Vou sozinho!
Lendo Lêdo pelo caminho.
Vou procurar ledo…
Não sendo lido
E caso encontre Ivo,
– enquanto é cedo –
Pedirei para seguir contigo.
E caso encontre nele um abrigo
Não terei medo
Nem serei temido:
Estarei ao lado de Lêdo
E já serei seu conhecido,
Não procurarei Ivo,
Signo de que Lêdo é cativo,
Mas terei no mestre
A luz do ombro de um amigo.
Por enquanto vou sozinho,
Ledo no meu caminho.